Thursday, August 23, 2007

Filmes


Alice é a história da perseverança autista de um homem que depois de 190 dias continua à procura de si próprio e da sua identidade, enquanto pai.
Numa Lisboa cinzenta e verdadeira , filmada como nunca até hoje, não recorre a diálogos carregados ou subtis.
Tudo passa pela cara de Mário, o pai que busca.
Incessantemente.
Porque é apenas disso que vive. Da busca , interminável , doentia,diária, dolorosa e cruel, da filha que perdeu.
Que não morreu.
Não é luto que procura, mas tão sómente redenção.
As rotinas diárias a que se condenou, no comboio, na estrada, no metro, no colégio, são fugas intermináveis a uma realidade que não irá aceitar nunca até que o seu corpo soçobre, porque a mente continua implacável na Busca.
De Alice.
Tão redutora é a sua visão do que o rodeia que o casaco azul de Alice persegue-o como um fantasma.
Alice é já um fantasma .
Mário é já um fantasma.
A mãe já deixou de ser fosse o que fosse. A desgraça engole-a como uma onda forte de Inverno e sucumbe.
Só ele continua. Autómato.Persistente. Cego.
Os videos incessantes, o sono que o vence, a mágoa que insiste em não aceitar. Apenas o casaco azul e os caracóis castanhos de Alice.
Triste e ingénuo não percebe que Alice, já mudou; já não é a sua Alice há muito tempo transformada pelos que a levaram um dia, levando Mário e a mulher para um Inferno a que ficarão eternamente condenados.
Mas.
É a sua insistência louca que faz dele o herói perdido e redentor de algo que não pôde controlar.
É alguem que se ama.
Alguém a quem se daria vida para encontrar o objecto da sua apaixão.
A sua interminável busca, a sua sensibilidade quase insuportável para quem o vê, imparável, morto de cansaço, mas nunca derrotado torna-o no derradeiro homem verdadeiro da Lisboa, da cidade , das ruas que percorremos como nossas.
Aquele que busca sem alarido, apenas com dor e teimosia generosa de quem não cede.
Não cede.
Não cede.
Não pactua.
Não esquece.
Não vive.
E por isso tão fácil de se amar.
Não importa se o casaco já não é azul e Mário ainda não percebeu. A sua busca é tão nobre quanto o desparecimento de Alice é insuportavelmente imperdoável.



O desespero será sempre o luxo do que menos pode.


http://www.youtube.com/watch?v=HsBsT1AwDbs

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